sábado, 15 de janeiro de 2011

Redenção Vertida

Aquele era um dia qualquer. Ele mais uma vez lançava as suas palavras. Essa prática estava sendo cada vez mais constante no seu cotidiano: verbalizar. Atropelando-se a si mesmo tudo o que ele queria era livrar-se daquelas palavras contidas, era uma busca contínua pela dádiva de ser ouvido. Nunca chegou sequer se imaginar enquanto falava, jamais se dera conta da sua postura sutilmente angustiante ao vomitar suas emoções.
E enquanto ele  se via perdido na sua ânsia por discursar, preso nos muros estruturados por seus enunciados, aquela mensagem tênue, embalada por uma voz familiarmente suave encontra os seus ouvidos e se aloja em sua mente com a mesma delicadeza do silêncio de uma explosão. “Você precisa perdoá-lo”. Até então ele não tinha refletido sobre essa necessidade.  E foi tão categórico ao dizer que não havia nada a ser perdoado, negou de forma tão intensa que sentiu o proferir da sua incerteza. Essa dúvida havia lhe causado um corte tão profundo que por breves instantes  pode sentir algo, era como se sangrasse.
Sangrava porque não encontrava o que nele precisava ser restabelecido pelo perdão. Vertia uma frustração fomentada por uma ferida aberta, que aborrecia, latejava e ele nem sequer sabia onde doía. Sabia que ela existia e que enquanto ela não cicatrizasse sua vida continuaria a escorrer, sendo gota a gota derramada.
É que de nada vale perdoar se não se sabe onde fica a ferida. É como ter a cura de uma doença que você não tem, pode salvar muitas vidas, só não a sua. Talvez um dia a ferida sare e a dor cesse, talvez não. Ele só espera encontrá-la a tempo de impedir o gotejar do último vestígio da alegria que lhe resta.  

3 comentários:

  1. Que texto lindo, estou emocionada.
    E pode acreditar, conseguirá encontrar onde está aferida, quando for bem proximo o momento do ultimo grão de felicidade desaparecer, você encontrará, e daí toda a felicidade brilhará, com o brilho de mil sóis, você terá a certeza de que não mais sente a ferida e terá toda a alegria que foi perdida, de volta.

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  2. Que lindo, que verdadeiro. Perdoar alguém ou algum erro passado é uma tarefa extremamente complexa, nunca fazemos total ideia do quanto, mas é. Requer perspicácia, conhecimento de si mesmo e das próprias feridas, e do quanto podemos ferir aos outros. E sim, dói. E sim, sangra. Mas às vezes o tempo fecha, e aprendemos a conviver com as cicatrizes.

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  3. A forma que você se expressa, é surreal, parece que vai nos lugares mais inacessíveis buscar aquilo que há de mais sincero e profundo, levando-nos a contracenar com o real e o fantasioso! AMEI O TEXTO !

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