segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Sinal Vermelho

Nem mais uma palavra escrita!” Essa foi a penitência que me dei depois da última vez, quando escrevi e expus os meus cortes, um a um, todos em carne-viva, numa tentativa de elevar a dor dos sangramentos ao máximo, pra doer tanto que depois daquela agonia desesperadora que eu me provocaria, eu pudesse finalmente não sentir mais nada.
Era isso, enfim. Havia desistido de escrever sobre os meus amores do passado e também do futuro,  achava que assim estaria afastando algum tipo de maldição que eu acreditava ter. Parei porque estava cansado, farto de num dia ser capaz de ver os milhões de tons das milhares de cores que havia em tudo e no outro ver alguém indo embora e assim assistir o meu mundo ficando cinza novamente. Ver a pessoa que amamos partir tem sempre uma angústia desconcertante, é como ter o pavor latente de sentir alguma parte nossa sendo amputada e, por puro reflexo, mexer cada membro do nosso corpo e confirmar que tudo ainda está lá, e que por isso, por estarmos fisicamente inteiros, não há anestesia capaz de resolver. A melhor das soluções que eu consegui pensar foi ouvir o meu grito. E como que diante de um congestionamento, em algum lugar caótico dentro de mim, eu reagia aos meus semáforos internos e me sentenciava: “PARE!”
De lá em diante resolvi ceder ao meu instinto emergente de autoajuda e cuidar de mim. Eu estava em pânico. Imaginar que agora eu seria a companhia de mim mesmo era detestável, eu odiava a ideia sem sequer ter experimentado isso de mim. Achei que não voltaria a me acostumar, que viveria à sombra dos meus fantasmas, tive certeza que não suportaria. Não só suportei como fui feliz. Pela primeira vez em algum tempo eu ri até que as lágrimas caíssem e solucei de tanto chorar por coisas minhas, por um cotidiano massante, mas que era só meu. Isso não deixava de ter algum encanto, afinal, eu, que sempre associei toda a adrenalina emocional da minha existência a um ser genérico, lembrara que tinha uma vida, mesmo que não conseguisse mais esboçar muitas linhas sobre ela ultimamente,  por mais que eu tentasse. Eu quis por um freio em apenas um detalhe, queria escrever sobre outras coisas importantes, mal sabia o quanto esse  pequeno detalhe era importante e determinante em mim.
Você apareceu e eu continuei respeitando a minha promessa com todo o rigor. Era um desafio constante, sabe? Vi dezenas de versos escorrendo de você e se acumulando na minha cabeça, que eu insistia em manter tão cheia. Era pra te preservar! Era pra me preservar! Pra proteger qualquer coisa boa que estivesse acontecendo. Eu tinha medo de por tudo no papel, não queria desencadear uma contagem regressiva quando colocasse um ponto final. Por isso eu reagia cético às suas investidas, entende? Custei a admitir que apesar de eu ter estado muito bem sem você, tudo agora era muito melhor ao seu lado. Recebi seus gestos de carinho receoso, temia continuar a querê-los e, apesar do meu medo, aconteceu.
Não adiantaram as minhas placas de advertência, de nada valeu ter cavado trincheiras emocionais. Não muito tempo depois do nosso primeiro beijo eu já tinha o gosto como algo familiar, era cedo e eu já havia gravado muitas das expressões do seu rosto, não raro eu as via quando fechava os olhos. Eu sorria. Quis parar tudo, sair correndo antes de ser dilacerado de novo, fugir pra perto de qualquer coisa que fosse preto-e-branco, de lá eu saberia o que esperar. Lembrei que você não estaria lá. Desisti. Fiquei, mesmo tonto de tanto pensar.
Eu queria tanto dizer que sim ou que você dissesse que acabei me rendendo. Ali, à luz daquele sinal vermelho, o carro estava parado e o tráfego era tranquilo.Naquele momento eu resolvi desatar os meus grilhões e sair da minha cabeça. Seu olhar estava especialmente confortante e sua voz, num misto de grave e doce, consumou em resposta desconcertada ao meu pedido repentino. E por diante dessa alegria não caber silêncio é que eu escrevo. Sim, porque da mesma forma, não cabe recusa perante o seu abraço. Àquela altura eu já sabia não só mais das linhas, mas do título e aguardava o momento oportuno para que eu pudesse escrevê-lo, pra dizer que eu parei, eu parei de querer parar! Parei sim! Saí da minha cabeça, porque eu queria dizer não só da sua importância, ou de das suas qualidades, ou do seu sorriso que desarma tudo, mas, e principalmente, sobre o quão feliz eu estou por você estar aqui.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

Das Marcas Que Carregamos


Subitamente se apercebeu novamente sozinho com os seus pensamentos. Sedento por qualquer indício que lhe pudesse fazer lembrar os sentimentos bons das pessoas, recorre —como lhe era costumeiro — a seu pequeno acervo portátil de lembranças cantadas. Senta-se à beira da calçada, liga seu “áudio player” e, enquanto o som em seus ouvidos acessava suas memórias e atingia os seus desejos mais profundos de final feliz, ele observava do alto o movimento dos carros e pedestres na avenida.
Não crescera muito, afinal. Quase se lamentou por isso. Acontece que a vida foi lhe preenchendo a mente com dramas tão maiores que quase nunca se lembrou de murmurar sua pouca estatura. Sua alegria, a imagem que por muito tempo teve de si mesmo, seus relacionamentos conturbados, sua falta de atenção, sua família ingerindo doses homeopáticas de um colapso inevitável... Era tudo muito denso, emotivo demais, forte demais, sofrível demais e, por algumas muitas vezes, exagerado demais.
Mas é assim que todos são, afinal, certo? Como qualquer um, ele fora costurado cuidadosamente a pequenos apanhados de forte carga emocional, amarrado a ímpetos efêmeros e a perigosas buscas por eternidade. Sua estrutura é basicamente essa, uma tentativa interminável de fazer de sua existência um prolongado último capítulo da sua série favorita. Série esta, que como todas as outras séries que começou a ver, jamais terminou, ora por falta de tempo, ora porque não tinha vontade, quase sempre por esquecimento, mas isso  não importa. Ele apenas se identificava, e isso lhe era suficiente para tomá-la para si. Fato é que era solitariamente confortante estar sentado àquela calçada mal iluminada enquanto as pessoas transitavam frenéticas logo abaixo. 

Ao passo que sua trilha sonora se misturava àquela orquestra ensurdecedora e desajeitada de buzinas automotoras, ele quase era capaz de ouvir os pensamentos daquelas pessoas. Quantos, assim como ele, estariam, à sua maneira, seja com suas próprias músicas, ou com aquele mesmo livro que sempre levam a tiracolo, ou até aquela mesma novela mexicana reprisada pela quinta vez na televisão... Quantos estariam tentando atribuir alguma intensidade a seus roteiros vitais mal escritos? Quantos se encontravam olhando para dentro de si, desamassando os papéis onde com tanto entusiasmo esboçaram os seus sonhos?
Ele, que sempre se sentira sozinho em meio a tantas aflições e hipérboles sentimentais, depois de tanto tempo, ainda que por alguns instantes, percebeu o quanto todas as outras pessoas se assemelhavam a ele. E que meio a sorrisos tão sinceros, numa visão pouco mais adiante das vidas mais perfeitas, além dos mais cortantes olhares de desprezo, há sempre alguém amedrontado e ferido tentando não cair no chão novamente.
No final das contas, era prepotência sua se julgar o único a chorar suas feridas não cicatrizadas. Certamente há muita gente lá fora contaminada por esse câncer por vezes irreversível chamado desapego, mas se ele mesmo não fora alcançado ainda, não poderia outro estar a salvo também?
Seja qual for o resultado dessa epifania, cedo ou tarde haveria de se encontrar alguma razão para tudo isso. E enquanto esse aguardado momento não chegava, ele, agora andando imperceptível e tranqüilo em meio aos transeuntes que observava, por agora cantarolava despreocupado, repetindo para si, acompanhando a melodia, que tudo isso pouco importava. Convencendo-se de que por hora ele só precisava continuar a seguir de volta o caminho de casa.  

segunda-feira, 12 de março de 2012

O Que Eu Não Te Falei


E assim foi. Com um beijo e todo o meu amor eu te vi partir e comecei a contar cada segundo até que você voltasse e eu pudesse te abraçar de novo. As coisas estavam mesmo muito complicadas, não é? Te vi levando uma queda atrás da outra e, sem poder fazer muita coisa pra te levantar, tentei te dar toda a força que eu pudesse, na esperança de que te servisse. Você sempre acreditou em energias, achei que as minhas te pudessem ser úteis, pensei mesmo que não poder te dar nada de concreto naquele momento não fosse uma falta tão grande. Então pedi pela sua ida e por todo esse tempo em que você fosse ficar fora, pra que você ficasse bem, que a tristeza cessasse, que você pudesse voltar a sorrir, que você pudesse se realizar de novo logo... Mal sabia eu que você estava indo e não voltaria, não pra mim. A pessoa de quem eu me despedi naquele dia e que disse me amar estava indo embora de vez. É. Não é o fim em si que me incomoda, sabe? Os casais se desfazem o tempo todo. Dói, mas esse não é nem de longe o maior dos sofrimentos. Foi um final atípico, de motivações aparentemente atípicas, não por falta de vontade – assim você garantiu -, mas para que você pudesse resolver tudo e pudesse ficar bem de novo. E que passar por tanta coisa comigo em tão pouco tempo poderia, segundo você, representar um sinal de que fosse mesmo pra gente ficar junto. À medida que você tecia o seu discurso emocionante sobre a dificuldade dessa decisão, sobre o quanto você não queria isso, eu assistia o seu descaso, notava uma indiferença crescente e tentava ser compreensivo. Quis te deixar no seu canto, me preocupei com a sua distância enquanto você agia com um intuito posteriormente assumido de me machucar. Responsabilizei tudo o que você estava passando e quis me convencer que a sua postura era justificável diante das circunstâncias. Quis acreditar que você desejava mesmo continuar me fazendo algum bem. Acreditei tanto nas suas palavras, achei realmente que você quisesse voltar pra mim, me convenci de que não havia outra forma que fosse melhor senão a sua. 
A verdade é que você não partiu por pressões externas ou o que quer que fosse. Não foi pelo bem da humanidade ou de nós dois, não foi um grande sacrifício, não foi sequer pelas suas malditas oscilações. Deve mesmo ter sido por um conjunto, mas sua falta de vontade foi de longe o maior dos fatores. É, demorei muito, mas agora, depois de tanta pancada eu percebo. Queria que você agisse da maneira que você fala. Seu discurso e suas ações são tão incompatíveis, entende? Mesmo quando avisado eu optei por não ver. Estive tão empenhado em fazer dar certo que nem atentei para a sua inércia. Nem considerei que a importância que eu tinha pra você era até onde dava, seus sentimentos até onde dava, sua preocupação até onde dava. O problema é dar tudo em limites tão mínimos e tão espalhados na sua zona de conforto. Assim fica fácil. É tranqüilo dizer tanta coisa e continuar na sua quando se trata de alguém não importante. E hoje, depois de decidir pulverizar tudo o que me machuca, finalmente eu entendi que você não serve nem pra chamar de meu amigo. Adoraria, de verdade, mas não posso ser amigo de quem eu não confio. Não consigo, porque até pra ser amigo a gente tem que se importar e contar com a ajuda do outro, isso vai muito além do que podemos fazer sem sair da nossa zona de conforto. Aceitar sua amizade diante de tanto descaso seu seria se contentar com o que resta. É como aceitar o que sobrou no prato de alguém só pra que a comida não vá parar no lixo. E isso sinceramente não serve pra ninguém, só pra jogar fora mesmo. Cansei das suas sobras, do seu desapego, do seu pouco caso. Cansei da sua não importância! Preciso de gente inteira, que me dê mais do que restos de tempo, dedicação e amor. Gente que faça mais do que apenas dizer que gosta de mim. Não basta você ser uma boa pessoa, se você não é bom comigo não serve e ponto. Talvez a gente se veja lá na frente e vire amigo ou até algo mais, talvez não. O destino é mesmo um maroto, não posso falar em impossibilidades. Mas para o que quer que ele nos reserve, se é que ele reserva algo pra gente mesmo, iniciativa alguma jamais partirá de mim. É que ainda que a gente ame, chega uma hora que a gente se cansa de dar o primeiro passo, ainda mais levando tanta rasteira de onde a gente esperava carinho. Mas sendo bem verdadeiro, eu não conto com isso, sangrei demais esperando qualquer retribuição sua. Seu lugar agora está oficialmente vago para ser ocupado por alguém que realmente valha à pena.  

"Te amo mesmo, talvez pra sempre. Mas nem por isso deixo de ser feliz ou viver a minha vida. Foda-se esse amor. E foda-se você."  (Tati Bernardi)