quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Ohana

Era uma família feliz, bem-estruturada, amorosa. Seus pais sempre acreditaram que era assim que as famílias deveriam ser. Proibidos de ter desavenças, movidos por uma harmonia mecânica, aprisionados a modelos e convenções estagnadas no tempo. Havia amor naquele lar, havia sim.
            O pai era um homem bom no fim das contas. Implacável. Sempre acreditou que tudo deveria funcionar exatamente da maneira como ele acreditava ser a correta, o oposto da mãe, sensível, cujas atitudes repletas de lágrimas e privações, nunca deixaram de visar levar adiante aquela família. Nem sempre ela conseguia, é verdade, mas ao menos ela tentava. Tentava e colocava tudo de si, sempre protetora e cuidadosa. Empenhada na criação dos filhos, tão diferentes um do outro.
            Quanto a ele, bom, ele definitivamente não tinha a meiguice da irmã. Por muitas vezes ele quis ter a facilidade dela em dizer o quanto amava as pessoas, o quanto a sua família era importante pra ele. E doía quando achavam que ele não se importava. A esperança dele era que suas ações refletissem isso, o que quase nunca aconteceu.
            Talvez fosse o peso das suas próprias exigências, talvez a incerteza do que ele realmente significava para os seus pais... O fato é que ele não sabia como lidar com isso, em se empenhar em ser o bom filho, o investimento que seus pais repetiam incansavelmente.
            Não é nada fácil isso, ser investimento, um depósito dos sonhos e esperanças das outras pessoas. É difícil você ter a certeza do amor dos seus pais e ainda assim ouvir que você deve simplesmente servi-los, que você, amado filho, “está aqui para isso!” Que era ele afinal? O que representava então?
            Ele estava longe de ser o filho perfeito, era debochado, grosseiro, contestador demais. Ao mesmo tempo, não bastava sempre ter sido um dos melhores alunos da turma, ou não ter vícios, isso não era o suficiente, era obrigação! “Ele não tem jeito mesmo!” tinha de estar sempre sorridente, não podia estar cansado, ele seria um mal-agradecido se agisse assim.
            Era necessário trabalhar logo para ajudar a família, era preciso reconhecer os esforços que desde sempre fizeram por ele. Para retribuir, para devolver, era isso! Quanto aos seus sonhos, suas metas, tudo era egoísta demais, ele só pensava nele segundo diziam. Era isso que ele era, um egoísta.  Um egoísta que com todos os seus defeitos, sempre quis ser um motivo de orgulho, já que dizer que amava lhe parecia tão difícil.
            E aos futuros pais, a esses eu só peço que tenham cautela. Acreditem nos seus filhos, sonhem com eles, repreendam-no quando necessário. Mas não os vejam como investimentos, como fontes de retorno, é doloroso demais carregar isso. Reconheçam-nos, e acima de tudo os amem. Afinal o orgulho verdadeiro é ficar feliz diante da felicidade de quem amamos.

"Ohana quer dizer família. E família quer dizer nunca abandonar ou esquecer."

3 comentários:

  1. Muito complexos, mas querendo ou não, todos os pais depositam esperanças de sonhos nos filhos.
    Não sei como lidar com isso, acho que nenhum de nós podemos saber.

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  2. Você tem razão. E o pior é quando os filhos tem sonhos que vão de encontro ao que querem os pais. Quando os filhos querem alar vôo e os pais nao acham isso legal.

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  3. Nossa, me identifiquei bastante com esse texto. Parabéns (mais uma vez), amigo! Bem complexo, mas verdadeiro.

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